sábado, 17 de dezembro de 2022

Tudo vale a pena? ARL

            Meu pai foi poeta, saudoso Leonel Nalini, cantou Franca em prosa e verso, conviveu com os demais poetas francanos, jornalistas e radialistas. Começou a escrever após a revolução de 1932, quando ganha a maioridade, próximo dos vinte anos, e nunca mais deixa de fazê-lo. Até 1984, ainda escrevia cartas para seus amigos. Publicou muitos artigos no jornal A Cidade, de Ribeirão Preto.

         Gostava de exultar as pessoas, e, de forma singela, o amor, a dor e a flor. Crítica? Não, adorava nele quando respirava fundo e dizia - "vai suspiro viajante, vai aos pés da minha amada".

         Fui buscar para ele um verso do poeta português Fernando Pessoa: "O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". 

         A grande curiosidade da obra de Pessoa (1888-1935) foi ele subdividir suas personalidades em escritores diferentes. Não carece analisar a sua obra como uma só, e nem devemos, o múltiplo estilo era proposital e assim deve ficar.

         Lidou brilhantemente com isso, sua multi personalidade escondia-se na heteronímia, onde autores fictícios são criados para dar vazão a outros pensamentos, que não seriam do próprio autor.

         Efeitos assim podem ocultar o Transtorno Dissociativo de Personalidade, é só assistir Psicose (Alfred Hitchcock) ou Fragmentado, filme alucinante onde o personagem Kevin (James McAvoy) dividiu-se em vinte e três personalidades com idades, gêneros e até doenças completamente diferentes.

         Não era o caso do poeta Pessoa e não se tratava de transtorno e sim de uma maravilhosa opção autoral, veja como ele retratou isso à época: - "Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?”

         Pessoa fazia mais ou menos o que fazemos hoje, vestimos a roupa (caráter) do lugar em que estamos, senão podemos ser julgados, rotulados e criticados, tem até riscos nisso.

         Ele foi Alberto Caieiro, filósofo complexo que nos alerta que há mais coisa nos seres humanos do que símbolos e rótulos. Já o médico Ricardo Reis, clássico de sua obra, sugere que aproveitemos (bem) os bons momentos, enfim a vida é breve. O fragmentado Bernardo Soares, cerca de 30 anos, morava sozinho e escrevia à noite, e Álvaro Campos, um pouco depressivo e angustiado com o avanço da idade, que revela o desencanto existencial, com a falsa impressão de que vivemos e não fizemos “nada”. 

         Ícone do poeta, a poesia Mar Português, descreve os sofrimentos do espírito navegador à época, os naufrágios para dobrar o cabo Bojador (Marrocos), causando muitas perdas pessoais -  "Ó mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal!

Para que fosses nosso, ó mar, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar. Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena".

         Fechamos com a convicção de que por vezes nos isolamos, resvalamos na depressão, e até nos fragmentamos, mas… se agimos com a alma elevada, em todos os sentidos, tudo terá valido a pena.


            Artigo publicado na edição do Jornal da ARL - Academia Ribeirãopretana de Letras - novembro/22 -  que comemorou os 75 anos da entidade. Veja a íntegra do jornal aqui

 

 

         Francisco Sérgio Nalini

         

         Membro Honorário da ARL desde 05.03.2004

         Auditor-Fiscal aposentado da Receita Federal do Brasil

         Ex-Secretário da Fazenda do município de Ribeirão Preto