sábado, 28 de novembro de 2020

Franca rumo ao bicentenário.

Os francanos não são bairristas,
amam realmente a sua cidade e sua história,
é diferente, não é um falso orgulho, é um amor real,
puro, simples e natural, o que faz dele muito grande. (FSN)

  Desejando à Franca muito progresso, saúde e paz para sua população, nos 196 anos comemorados hoje, encerramos a série de seis artigos sobre sua história que fizemos aqui para o Verdade, um agradável exército ao longo dessa semana.

Foto Wender Henrique (Wikipedia)

Reiteramos a proximidade da comemoração dos seus 200 anos, e só faltam 4. Quem estiver dirigindo a cidade a partir do ano que vem ficará marcado (a) para sempre: será o prefeito ou prefeita do bicentenário.


Temos esses 4 anos para nos preparar, supõe-se que a equipe do Museu José Chiachiri, com seu acervo espetacular, busque também apoio de outras entidades e pesquisadores avulsos, muitos falecidos, mas aí é bom entrar em contato com suas famílias. Não vamos correr o risco de sugerir nomes, mas basta uma leve pesquisa para ver que muitos são mencionados em documentos recentes.


Quem sabe a partir de janeiro já se forme um grupo para esse preparo. Não vai ser difícil, além do Museu tem também os estudiosos da UNESP com suas inúmeras teses e artigos publicados sobre a história de Franca e o envolvimento de sua região. Fazer este estudo é um exercício imperdível.


É uma questão de vocação, e isso temos por aqui, os francanos não são bairristas, amam realmente a sua cidade e sua história, é diferente, não é um falso orgulho, é um amor real, puro, simples e natural, o que faz dele muito grande.


Denominações


Franca já foi de um rei, de um imperador, teve exaltado o seu capim, tem como referência as 3 colinas. Seu fundador, o capitão mineiro Hipólito Antônio Pinheiro, encantado pela região refere-se ao local como "Belo Sertão da Estrada de Goiás” em um documento feito para o Governador da Província (Estado de SP) em 6 de agosto de 1805. 


Ele reclamava na sua representação do expansionismo mineiro patrocinado pelos por moradores e autoridades da Vila de São Carlos de Jacuí (São Sebastião do Paraíso e proximidades), brinquei com esse fato para fazer desse dia o Dia do Francano, já que ocorreu antes de ser fundado o povoado. Por causa dessa forte defesa de seu território Franca foi considerada pelo Prof. Carmelino Corrêa Júnior a “Sentinela do Nordeste Paulista”.


A região, que tinha nossa cidade como centro, também era conhecida como "Belo Sertão do Rio Pardo", entendendo esse território como uma expansão desse rio até ao Rio Grande. Depois passa ser tratada como “Belo Sertão da Estrada dos Goiazes”. Na fundação, em 1805, é denominada de “Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca e do Rio Pardo"


Em 31 de outubro de 1821 é assinada, pelo Governo Provisório, a criação da Vila que viria a se chamar "Vila Franca D'el Rey”, o que não se concretiza uma vez que, proclamada a Independência do Brasil em 1822, e pelo fato de isso se oficializar só em 28 de novembro de 1824, o nome oficial passa a ser  "Vila Franca do Imperador".


Por tempos imaginou-se que o Imperador Dom Pedro I poderia ter vindo para cá, nada disso, era prática à época homenagear a autoridade que assinava essas ascensões e autonomias.


Nos artigos anteriores não me referi, mas estudos dos professores José Chiachiri, pai e filho, atribuem também à esta região o nome de “Estrada do Sal”, antes de ser “dos Goiases”, no início dos anos 1700 "levava o sal marinho e outros produtos às povoações do interior de São Paulo e Minas Gerais, onde se criava gado vacum. O sal proviria do porto de São Vicente, para onde era destinada a produção salineira do País, situada, principalmente, no Nordeste”, diz o estudo.


Na mesma esteira aparece a referência sugestiva de "Arraial Bonito do Capim Mimoso” por volta de 1750, nem é necessário dar asas à imaginação para vislumbrar as belas pastagens que havia por aqui, partes descampadas, muita água, foi uma combinação natural muito atrativa. Tivemos que ir aos dicionários: o capim mimoso, oficialmente é “… da família das gramíneas, de folhagem fina e inflorescências delicadas”.


O povoado começa a ser notado


Nos seus primórdios a cidade vai se modelando, em forma de um tabuleiro, a partir da Catedral e das praças centrais, mas era muito rural, os proprietários só vinham para o chamado centro nos fins de semana, o modelo era todo rural, prevalecendo o gado e as plantações. 


Tirado do site de história da Prefeitura consta que, em 1818 o viajante Luiz de D'Alincourt, observou que o arraial estava bem arruado, com ruas pouco povoadas, a exceção do Largo da Matriz que estava "mais guarnecido de casas, que são construídas de pau a prumo, com travessões e ripas, cheios de vãos de barro e as paredes rebocadas com areia fina", geralmente pequenas e cobertas de palha.


Outro viajante Auguste de Saint Hilaire em 1819 lembra que: "O arraial de Franca, onde parei, fica situado num aprazível descampado, em meio a extensas pastagens alpicadas de tufos de árvores e cortadas por vales pouco profundos. O arraial ocupa o centro de um largo e arredondado, sendo banhado dos dois lados por um córrego. Não havia ali, à época de minha viagem, mais do que umas cinqüenta casas, mas já tinha sido demarcado o local para a construção de várias outras. Era fácil ver que Franca não tardaria a adquirir grande importância”.


E hoje?


Temos no Brasil a síndrome da cidade grande, então vamos comparar: Franca seria a 17.a cidade da Alemanha, maior que Bonn e estaria nas estatísticas daquele país por ser uma das 20 maiores; seria a 5.a cidade da França, maior que Lille e Dijon, certamente estaria no centro das decisões administrativas dos bleus; seria a 9.a cidade da Itália, maior que Verona e Veneza, paro por aqui, mas é uma diversão legal para você fazer, qual é o tamanho de Franca?


A posição geográfica estratégica, como uma das últimas paradas antes de deixar o Estado de São Paulo, o clima ameno, a formação com muita água e vegetação de primeira, somados os entrantes mineiros que acabam por dar os primeiros cunhos familiares e políticos para o lugarejo, afastando a influência negativa de aventureiros que aqui estavam, traçam o perfil de Franca para sempre.


Perfil este de um povo muito trabalhador, uma cidade independente, com boa culinária, coleciona indicações com local perfeito para morar, saneamento básico exemplo nacional, o esporte coleciona títulos, inclusive mundiais, se não a veterana, que tanto amamos, temos uma outra ótima denominação: A Cidade do Basquete. 


É isto, Franca já foi capital de muitas coisas, do calçado e do basquete não tem discussão, mas a série de nossos artigos provou que reúne outras tantas qualidades, somos sim um exemplo de brasileiros, mais ainda de paulistas, mas nos esforçamos muito para sermos também bons exemplos de seres humanos. 


Nós amamos muito essa cidade, parabéns Franca, que Deus continue te protegendo. E a todos que você abriga ou abrigou.


Artigo publicado no Jornal Verdade, de Franca-SP, em 28/11/2020, quando a cidade comemorou 196 anos.


Um relógio que viu as horas passarem, e a história também

Não iria concluir meus artigos sobre o aniversário de Franca, antes de fazer o especial de amanhã, sem falar dele, com muito carinho, o Relógio do Sol.

Olha ele aí.... acompanhando a construção da futura Catedral


Segundo o IBGE o Relógio do Sol é a maior expressão da história francana, como edificação, é claro. Ele tem tudo que se espera de um monumento histórico, é único no seu modelo do mundo, assistiu uma grande parte da história da cidade e tem o reconhecimento da população. Com exceção da matriz, que já é um outro tipo de monumento, ele o símbolo mais fotografado em todo município, por sinal é mais velho que ela.



Começou a ser construído em 1886, apenas 30 depois de Franca ganhar o status de cidade, mas foi inaugurado em 11 de abril de 1887, é tombado pelo Condephaat, e foi edificado pelo francês Germano de Annecy. Segundo o próprio IBGE, só na cidade que o padre nasceu, claro Annecy, na França teria um, semelhante… Igual não é. O instituto ressalta que o monumento sempre motivou trabalhos e teses escolares e que é um destaque não só para Franca, mas também para toda região, "proporcionando um aprofundamento mais detalhado sobre a cultura e história de Franca”.

Postal, Cariolato

Com seus 133 anos, na praça Nossa Senhora da Conceição, ficou observando a cidade crescer e se modernizar, assistiu como disse, por exemplo, a construção da igreja Matriz, que dá nome à praça, a catedral. Ficou só admirando a cidade crescer em sua volta, de onde está dava para dar uma espiada no calçadão, tem saudades quando ele era trajeto para os cinemas São Luiz e Odeon e também para o hotel Francano. 


Um observador secular

Testemunhou desfiles, fatos históricos importantes, certamente deve saber quem foi o primeiro a desfilar no centro com seu carro moderno, antes só arremedos ou semoventes (burro, cavalo). Assistiu curioso as enormes festividades de comemoração do 1.o Centenário de Franca, em 1956, que acabou não sendo.


Acompanhou atento as fofocas regadas de ótimo café da praça Barão, viu alguns tiroteios, conheceu o incrível Pelotão e outros ótimos personagens, nunca entendendo o humor negro que cercava o Geraldo. Só soube mais tarde que os milhões negociados, em forma de diamantes, financiaram muito do progresso francano. Também na área da economia, nem sabe quantos foram os assuntos ligados aos calçados e ao café. Ambos produtos de exportação, mas que nunca deixam de oferecer muito luta e esforço, com o clima e com a concorrência.


     Viu a movimentação da construção do vizinho Hotel Francano, que veio com a euforia do café, mas que, ao se esvair, levou também este outro monumento. Riu muito com a juventude francana, dos anos 1960, girar em filas na sua frente, os moços indo, as moças vindo, paquera em círculo sem precedentes que promoveu muitos casamentos. Viu todas manifestações e comemorações da cidade, mas escapou do tiroteio provocado pelo capitão Anselmo e nem viu a casa fortificada que seria montada bem ao lado dele, isso o antecedeu. Deve ter torcido pelo movimento das Diretas Já, pedindo a volta das eleições democráticas.


Espantado mesmo ficou com a construção do primeiro arranha-céu da cidade, o Edifício Franca do Imperador, não tinha visto nada daquele tamanho, depois com um moço que vendia amendoim, torradim, salgadim… que conseguia fazer a sua réplica, como veremos em seguida.


Produto de estudos científicos


Fruto de inúmeros trabalhos científicos, é necessário estudar muito para entendê-lo na íntegra.

Foto de um recorte dos álbuns de meu pai datado de 1956, 
não se tem como precisar quando esta arte gráfica foi feita, 
mas vemos que o autor foi Alcebíades.

Traçando uma linha do tempo, que adoro fazer, vemos que, quando foi inaugurado em 11 de abril de 1887, ainda não havia sido proclamada a república, o resto da história você conhece. A população francana era de aproximadas 9.000 pessoas, menos que as transitam pelo complexo central da cidade hoje, e, felizmente, um ano depois, em maio de 1888, seria abolida a escravidão para 1400 dessas almas da cidade.


A igreja matriz começou a ser construída em 1809, uma casinha, o templo atual começa a ser erigido em 1898, doze anos depois do Relógio. Ainda em obras teve a primeira missa em 1913, mas só iria ser inaugurada em 1926. É comum publicarem fotos com as obras da atual matriz e o Relógio ali firme, só prestando atenção no seu crescimento.


Foi o monsenhor Rosa que trouxe para Franca o padre Germano de Annecy - um cientista francês radicado no Brasil. De forma curiosa ele une César Augusto Ribeiro, maçom português, um dos que editavam o jornal O Nono Distrito, e o padre Cândido Rosa, para que ele viesse a ser construído, foi um pacificador na rixa que reinava entre ambos. Também teve papel importante na vinda das irmãs que fundariam o Colégio de Lourdes, depois o Colégio Champagnat, que não chegou a ver.


Frei Germano tem uma biografia vastíssima, tentou voltar para a Europa, passando pelo Vaticano, mas faleceu antes de sair do país, só com a roupa do corpo, mas até experiências pioneiras com a energia elétrica ele fez, há relatos de exibições importantes em São Paulo.


O Relógio do Sol não é monumento qualquer, ele é testemunha da história francana e do país, precisa ser preservado, estar em um roteiro oficial do turismo francano, quiçá com guias oficialmente formados. Sempre fica ali esperando que o Sol passe por todos os  seus quadrantes, desafiando cada transeunte a saber que horas são, poucos acertaram. Ele não fornece só as horas, mas também outras informações, entre elas as estações do ano.


Jubileu do Amendoim

foto Museu da Pessoa


Jubileu dando aulas sobre o relógio.

Você se lembra que o Jubileu do Amendoim (1937-2014)? Seu filho, como ele fez, vende amendoim salgadim, torradim até hoje, principalmente nos jogos de basquete. Pois é, poucos sabem que ele fazia, com perfeição, réplicas do Relógio do Sol, com sua origem humilde e simplicidade dava aulas de como olhar as horas e minutos no original e nas suas réplicas. Parece que tem uma réplica dele feita no parque da antiga Francal, contam que não está em bom estado.


Annecy


Em qualquer pesquisa que se faça sobre o Relógio do Sol chegaremos ao seu criador, padre francês Germano, do que? De Annecy. Como a maioria dos povos naquela época, carrega como sobrenome a cidade onde nasceu.


Sempre ouvi dizer que em Annecy haveria um irmão único do relógio francano no mundo, pelo menos é que o dizem algumas fontes pesquisadas. E, surpresa!!! São parentes, primos, mas nunca irmãos, é só comparar com a fotos que publicamos. A irmandade é atribuída ao fato de ambos terem pedestais que os tornam verticais. E, talvez, na forma de enxergar as horas, estações, etc.


Os franceses o chamam de "único", olhando bem é sim, o que faz do nosso muito mais único ainda, convenhamos, o de Franca é muito mais charmoso, não é? A fria e montanhosa Annecy, se situa próximo ao Mont Blanc, região dos Alpes, tríplice fronteira entre Itália, Suíça e, claro, a França.


Histórico da pesquisa

Vila Franca:


Jubileu do Amendoim e os seus Relógio do Sol:
http://gcn.net.br/noticias/338216/franca/2016/11/franca-shopping-retira-relogio-do-sol-feito-por-jubileu-do-amendoim


Excelente biografia do Jubileo feito pelo Museu da Pessoa:
http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/historia/-45870

Dados importantes e científicos do relógio:
https://gcncomunica.wordpress.com/2010/03/23/e-nosso-o-1%C2%BA-relogio-do-sol-do-brasil/ 

Postagem que menciono o relógio de Annecy:
http://michel.lalos.free.fr/cadrans_solaires/autres_depts/haute_savoie/cs_74_annecy_unique.html

Visita de Corrêa Neves Jr. a Annecy:
http://gcn.net.br/noticias/230147/opiniao/2013/11/o-relogio-e-o-cadran

Veja a hora nos dois relógios (foto minha)

Franca, os sérios conflitos envolvendo posse e poder

Não dá para imaginar que os portugueses, que vieram enfrentar uma país totalmente diferente, longe de suas famílias, com selvas, doenças e riscos naturais, fossem pessoas de gabinete, não eram. Eram naturalmente rudes, se não maus, rudes. Principalmente os bandeirantes que entendiam que a força diminuía o tempo gasto.

Ilustração anônima, retirada do http://blogdabalaiada.blogspot.com/


Da mesma forma a história nos provou que não existe colonização sem conflitos, não era de esperar que os nativos sairiam do seu conforto e aceitassem a chegada de um outro povo, com estranhos costumes. Assim, com raras exceções, os índios receberam muito mal os portugueses. Isso custou muito para eles, se não aceitavam a submissão pela escravatura eram quase todos dizimados. Sem contar a falta de defesa para as doenças.


Os jesuítas espanhóis em suas missões tentaram intermediar isso, foram também varridos a ferro e fogo. Como já mencionamos as missões gaúchas, muito bem organizadas, deram perda total, quem morou por lá sabe o quanto isso magoa os sulistas até hoje. Preservam muito a história.


Inclua nesse menu o escravagismo africano, sofreram duplamente, como os índios, 

foram tirados das suas casas, conforto e famílias, e como os portugueses enfrentariam compulsoriamente o sertão brasileiro. Logo começaram as revoltas, muitos foragidos e quilombos. Vide Palmares, mais uma missão nada pacífica dos bandeirantes.


Nesse mix de índoles surgem os descendentes, boa parte sem nenhum amor, em um ambiente de selvageria e migração para o imponderável não era possível a formação de famílias. Nessa composição nascem os mamelucos, filhos de índias e brancos, os mulatos, filhos de negras e brancos, e, mais raros, os cafuzos, filhos de negros e índios. Continuavam chegando os portugueses, formando uma supremacia com os descentes nascidos no Brasil. 


Essa foi a formação do povo paulista no primeiro século do descobrimento, a história alcança Franca em termos de registros após 1700, mas há indícios que ela já era rota de travessia para Minas e Goiás antes mesmo da Estrada dos Goiases, mas já escrevemos sobre isto. Dessa forma tínhamos os brancos, os mestiços que eram livres, os índios e os negros escravos, na sua maioria.


Os primeiros conflitos


No artigo de ontem informamos que a região só começou a tomar jeito de povoado com os mineiros entrantes, encontrando por aqui “gentios”, muitas vezes até foragidos da insipiente justiça da época. Há registros que até a chegada dessas famílias a região era um local totalmente sem lei, por consequência acontecem os primeiros conflitos sociais.


Um outro componente comum nessa etapa de colonização é a luta pelo espaço na terra e suas glebas, por mais que o Governo central procurasse organizar de forma global, a micro demarcação chegava às vias de fato, briga e morte mesmo.

A nossa geografia, principalmente por ser fronteiriça, não escapou disso, tanto os paulistas tentaram se apossar do sul de Minas, como os mineiros de Jacuí, leia-se São Sebastião do Paraíso até a atual cidade de Jacuí, chegaram bem próximos de Franca, “arrancando estacas demarcatórias”, como narram os historiadores. Isso eventualmente fez correr sangue. Esse conflito foi politicamente resolvido próximo da independência do Brasil, em 1822, já que Franca é elevada a Vila, com Câmara Municipal, e tudo, em 28 de novembro de 1824.


A Anselmada


Ao deixar o trono brasileiro em 7 de abril de 1831, d. Pedro I legou às terras que fez independentes uma séria crise política. Inúmeras dissensões e disputas ocorreram no período da Regência por todo o território nacional (a Balaiada, a Novembrada, a Abrilada, a Carneirada, a Dezembrada, a Sabinada, a Cabanagem), refletindo um processo de consolidação do Estado. As lutas da elite em busca do controle do poder entre a Abdicação e a Maioridade estimularam as revoltas em vários pontos do Império. Os postos de mando escorriam das mãos dos setores até então dominantes para as camadas urbanas marginalizadas politicamente, e as explosões todas consubstanciaram a repressão das elites a essa mudança de poder. (1)

Aqui pelas bandas de Franca, com apenas 14 anos da transformação em Vila, em 1838, consta de sua história uma rebelião chamada Anselmada, referência ao seu líder, o capitão mineiro Anselmo Ferreira de Barcellos. Como nos ensina o texto acima, dezenas de outras iguais ocorreram no Brasil Império no vácuo de poder entre a abdicação de Dom Pedro I (1831) até a maioridade de Dom Pedro II (1840).


O Brasil dividido em províncias não tinha uma uniformidade federativa, cada presidente de província nomeado fazia a sua política. Em São Paulo (1835) o brigadeiro Tobias Aguiar, edita lei que lhe permite nomear os fardados prefeitos das vilas. 


Para Franca, sem muito apoio, é nomeado, o sargento-mor José Joaquim de Santa Anna, seguem-se confusas e conturbadas eleições municipais, Anselmo que era vereador não se reelege e dois grupos acabam se estabelecendo, dos comerciantes, mais urbanos, e dos ruralistas. A sensação do capitão é de que, na verdade, eles e seus amigos foram mesmo é destituídos, a mágoa que vem a seguir é irremediável.


O grupo no poder nomeia seus pares nos cargos importantes, na coletoria e no judiciário, inclusive o importante personagem que era à época um juiz de paz. Nessas turras até uma janela da casa da cunhada de Anselmo, porque abria dando visão a atividades dos governantes, é fechada a pregos, desavença que quase acaba na bala, foi por uma gota d'água. 


Ao nascer do sol do primeiro dia de 1838, Anselmo, com 30 seguidores armados até aos dentes, invade a pequenina Vila Franca, faz ameaças aos líderes, e quase arrasta um deles amarrado ao cavalo, não era bem um feliz ano novo. Após muitas negociações e promessas a Anselmo ele recua, mas, nos meses seguintes, não só vê o tratado ignorado, como passa a ser acusado criminalmente, período de muita tensão. O grupo de descontentes que ele lidera só aumentava.

Diante de um mandado de prisão o capitão volta invadir a vila em setembro de 1838, agora com 74 homens, o fiscal da Câmara Clementino, ao intervir, é baleado, mesmo fim do cão de guarda do então juiz de paz Manoel Rodrigues Pombo. Depois de negociações tensas  auxiliadas pelo pe. João Teixeira d’Oliveira Cardoso, de confiança do capitão, Anselmo  consegue destituir o juiz e outro no poder, com isso novamente se retira e volta para suas terras, na região hoje de Cristais Paulista.


O presidente da Câmara, ao retornar, desfaz os acordos e organiza uma forte mas frustrada resistência, monta até um forte com pessoas e armas em um casa no centro da cidade (é referida na foto que postamos ontem). Anselmo usa uma tática inversa, não ataca e deixa a defesa se esvaziar, até alguns guardas começam a debandar para o seu lado. O medo de uma nova invasão aterroriza a todos e a defesa armada é abandonada. Há combates isolados, resultando em mais mortes. 


O juiz Pombo, desafeto do capitão desde o barraco da janela vai às terras dos revoltosos (6/11/1838) para tentar um novo acordo e nunca mais voltou, deixou família com muitos filhos. Ele é morto na chegada, nem teve tempo de propor nada, foi abandonado perto de um armazém. 

Anselmo e seu grupo é autorizado a voltar à Vila (9/11/1838), tinha agora um exército para aquela época, um pequeno grupo não se conforma em deixar o poder, faz um  a pequena resistência mas também são mortos, vereadores fogem, o capitão vitorioso coloca seus aliados no poder.


Em 14 de março de 1839 a Vila Franca se transforma em Comarca, mas com o judiciário em Batatais, para tentar acalmar a coisa, o Capitão Anselmo e os demais líderes da revolta são ali julgados (15/11/1839). Todos são absolvidos. 


Existem muitos trabalhos, inclusive no judiciário paulista, que estudaram os erros de concepção cometidos por todos, os que forçaram para tomar o poder municipal, as enormes falhas na resistência, a péssima negociação que permitiria a divisão dos poderes. Dá a impressão que os poderes centrais também não se simpatizaram muito com os que se estabeleceram para administrar a Vila e com a forma que fizeram, não havia tropas suficientes para enviar para tão longe. A absolvição de Anselmo e seu grupo demonstra bem isso.

O juiz de Direito Carlos Alberto Bastos de Matos,
que atuou na comarca de Patrocínio Paulista de 1982 até 1999
Foto e informações retiradas do 
https://www.migalhas.com.br/







(1) Texto extraído de um ótimo estudo do dr. Carlos Alberto Bastos de Matos - da Academia Francana de Letras -  Apontamentos sobre a história da comarca da Franca - ele foi juiz de Direito de Patrocínio Paulista a contar de 1982, ali aposentou-se em 1999. Professor de Direito constitucional na Faculdade de Direito da Franca desde 1984. Faleceu no dia 4 de agosto de 2004. 





Franca, a forte influência mineira

As questões fronteiriças mundiais sempre são uma questão política, algumas resolvidas pacificamente, outras, infelizmente, de forma bélica. Há nisso algumas soluções mais simples, outras deram muito trabalho.


No artigo de hoje, da série que estamos fazendo no Verdade para comemorar o aniversário de Franca, vamos tratar da influência mineira na origem e formação de nossa cidade, vamos além do desenho geopolítico.


Tenho esta região mais ou menos como outras que, pela proximidade absoluta, as aspirações e gostos das populações que ali habitam são muito coincidentes, caso dos pampas, no extremo sul do Brasil, onde todo mundo é gaúcho, não importa se é brasileiro, uruguaio ou argentino. Por aqui, ser francano ou mineiro é uma casualidade, rss.


Em seguida fazemos um retrospecto de datas mencionadas nos artigos anteriores, isso deve nos ajudar a situarmos na linha do tempo na formação de Franca, leve por favor em consideração que algumas datas  ou referências são aproximadas:


  • 1698 - é descoberto ouro no rio das Velhas em Goiás, e em outras regiões próximas;
  • 1709 - os bandeirantes paulistas perdem a guerra com os emboabas (portugueses recém chegados), entre outros conflitos no território mineiro pelos lados de Ouro Preto;
  • 1720 - separação da Província de São Paulo e Minas do Ouro, nasce a de Minas Gerais, agora com nova denominação, isso complica ainda mais o trânsito pelo estado vizinho;
  • 1726 - criada nova rota pelos bandeirantes Anhanguera, contemplando mais o território paulista, com Franca no topo, em direção ao Rio Grande (veja no artigo anterior);
  • 1791 - na região de Covas (Miramontes) é fundada uma Companhia de Ordenanças pertencente à freguesia de Caconde e município de Moji Mirim e nomeado responsável o Capitão Manoel Almeida.
  • 1804 - vem para Franca, o "Belo Sertão do Rio Pardo”, uma pessoa fundamental - o mineiro de São João D’el Rei (Freguesia do Rio das Mortes), o capitão Hipólito Antônio Pinheiro, ele lidera um grupo de mineiros que ocupam toda a região, e dão os primeiros passos para a fundação do povoado;
  • 1805 - data de corte para esta fundação, em 29 de agosto é criada a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca e do Rio Pardo, aos poucos o nome se resume para Franca;
  • 1805 - em 03 de dezembro o arraial é assentado pelo capitão Hipólito em uma colina entre dois córregos: Bagres e Cubatão, em terrenos da Fazenda Santa Bárbara, doadas para este fim;
  • 1821 - Dom João VI cria a Vila Franca Del Rei, contudo a mesma não será instalada em virtude das ambições da Vila São Carlos de Jacui que desejava anexar essa região à Minas Gerais(1);
  • 1824 - Em 28 de novembro a Freguesia de Franca se emancipa de Moji Mirim, sob a denominação de Vila Franca do Imperador, já não havia mais ‘rei’ desde 1822, o Brasil estava independente de Portugal.


Então, se estamos falando em influência mineira, vimos que os conflitos com os mineradores na província de Minas Gerais (futuro estado) empurram os bandeirantes para cá no fim século XVIII, mineiros desmotivados com  fim dos garimpos em São João d'el Rei migram no início do século XIX para habitar esta região - liderados por Hipólito. Ele tenta dar oficialidade para o povoado, mas vizinhos mineiros queriam anexar esse território. Apesar não terem sucesso, atrasaram o processo de criação em três anos.


Nesse momento é preciso fazer uma divisão entre os primeiros moradores de Franca no início do século XIX (1800), entre as pessoas que vieram e ficaram por causa da estrada aberta pelos bandeirantes e os mineiros que migraram para cá liderados por Hipólito. 


Os pesquisadores fazem uma separação sócio-cultural, informam que inicialmente havia um certo gentio, cidadãos foragidos da lei de toda espécie, algo como quanto mais longe dos grandes centros melhor, e os migrantes mineiros já detentores de certa educação e espírito de família.


No livro “Franca…”,  do dr. Alfredo Palermo, já mencionado, são reproduzidas falas do prof. Carmelino Corrêa Júnior: “Franca foi arraial clandestino, mais tarde legalizado, sem que soubesse de onde surgiram seus primeiros apossadores de terra”, eram “perseguidos políticos e religiosos, campeando no bravio sertão o ouro e a paz de espírito”, afirmando que isso provocava um estado de violência. Em colonizações isso não foi novidade só aqui, claro, os EUA demonstram bem isso nos seus milhares de filmes (conflitos com gentios, índios, etc.).


Na mesma esteira dr. Alfredo menciona o pesquisador Estevão Leão Bourroul que, por causa dessa vinda de foragidos, “homens sobre cuja a cabeça pende flamejante o gládio da lei, então os criminosos, certos da impunidade, afluíam com mais desempenho”. Bourroul narra: “Houve rixas; o sangue correu por mais de uma vez, e por estas planícies sertanejas e encantadoras, ecoaram clamores bélicos”. (2)


Esse fato é corroborado pelo prof. José Chiachiri, o pai, entendendo que, sim os primeiros moradores tinham essa real fama, “porém a fundação dos arraiais não foi obra deles… Foram famílias inteiras que para cá se dirigiram e promoveram o povoamento”.  Chiachiri afirma com segurança: “A polidez dos mineiros tinha uma explicação, vinham da mais populosa capitania do Brasil”.


Então o povoamento da região era assim dividido, não necessariamente com regra única, enquanto subiam pela estrada em direção a Minas com os bandeirantes “mamelucos rudes, ignorantes e estúpidos”, como afirmara o já mencionado botânico francês Saint-Hilaire, e os mineiros que desceram de lá eram "polidos e educados”.


E aí damos um salto. Já vimos que, por volta de 1805, os mineiros liderados por Hipólito fundam o povoado e a Freguesia, as terras são arruadas e dois ilustres viajantes fazem menção ao que viram: Luiz de D'Alincourt, observou que "o arraial estava bem arruado, com ruas pouco povoadas, a exceção do Largo da Matriz que estava mais guarnecido de casas”, em 1818.


Já do outro, Saint-Hilaire, em 1819, transcrevemos na íntegra o contido no site da PMF do que ele testemunha:"O arraial de Franca, onde parei, fica situado num aprazível descampado, em meio a extensas pastagens alpicadas de tufos de árvores e cortadas por vales pouco profundos. O arraial ocupa o centro de um largo e arredondado, sendo banhado dos dois lados por um córrego. Não havia ali, à época de minha viagem, mais do que umas cinqüenta casas, mas já tinha sido demarcado o local para a construção de várias outras. Era fácil ver que Franca não tardaria a adquirir grande importância” (grifo nosso).


Com jeito e forma de uma minúscula cidade, a partir da fundação de 1805 até 1820, começam as tentativas da Freguesia em se tornar Vila, mas os mineiros daqui esbarram na tentativa de outros mineiros de lá, autoridades de Jacuí tentavam anexar esse território à sua jurisdição. Com a ascensão à Vila os francanos se livrariam dessa ameaça, mas também dos mencionados “gentios" com uma presença maior de força  policial, da lei e da justiça.(3)


Hipólito faz uma representação em 1809 ao Governo Provisório de 

São Paulo(estado), que tinha como titular o Capitão General Franca e Horta, e ele abraça essa causa como comprovam inúmeros documentos no museu da cidade. Só em 1821 é assinada a portaria, que só seria materializada em 1824,  em 28 de novembro, quando Franca se torna Vila.


Então, data vênia, os mineiros deram alma para o início da povoação francana e, mesmo os de Jacuí, leia-se também São Sebastião do Paraíso, que à época queriam se apossar de nossas terras, hoje são vizinhos, consortes, parentes, sócios e amigos, vivemos em uma região que foi sim motivada em uma divisão geopolítica, mas na atualidade tem um entrosamento fantástico de dois povos que se originam da mesma pátria e localidade tendo as mesmas aspirações, o que nos divide é uma linha imaginária.




(1) - Fonte dessa descrição e outros dados anotados nessa linha do tempo do site sobre história da Prefeitura Municipal de Franca.

(2) - 'ORIGENS DA FRANCA”, apontamentos históricos de Estevão Leão Bourroul, advogado, deputado por Franca, recortes encontram-se no Museu Histórico José Chiachiri.

(3) - Como não somos historiadores, em nossas pesquisas detectamos que a disputa por terras nessa época foi muito intensa entre paulistas e mineiros, os paulistas dominaram parte do Sul de Minas, então esse assunto vamos tratar sim, mas como calma.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Franca na rota dos Anhanguera




Todos admiram Franca pelo seu clima serrano, sendo uma cidade mais alta, na casa dos mil metros de altitude acima do mar, faz menos calor que em outros pontos do Estado, também era natural que os viajantes no século XVIII quisessem desfrutar disso e dos descampados servidos com água corrente. Esse é o tema da segunda matéria especial de aniversário que fizemos para o Verdade.


Franca surgiu, como povoado, depois como cidade, da mesma forma que todas as outras plagas do país, os portugueses chegaram pelo litoral brasileiro, povoaram as proximidades - a cidade de São Paulo, por exemplo, e, nos primeiros 150 anos, mais ou menos, os seus descendentes, com outros imigrantes que continuavam chegando, partiram para todos os lados, para o noroeste foram em busca de riquezas minerais. Leia-se Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, ainda não dividido, claro.


Era natural que alguns se fixassem pelo caminho, eram necessários albergues, provisões (sal de preferência), cuidados com os animais (muitos burros) e alimentação, que motivou o plantio e a criação de animais. Esse foi o nosso caso, o de Franca.


Como disse no artigo anterior a via pluvial sempre foi a mais preferida por razões óbvias, encurtar as distâncias e evitar as matas densas - que saudade delas, mas onde moraríamos? Só que uma hora não tem jeito, tem que ser pela via terrestre mesmo, e foi assim que o Brasil foi sendo desbravado, os que passavam pela nossa região tinham como atrativo maior, além da madeira e especiarias, o ouro mesmo.


Em 12 de setembro de 1720 a capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi desdobrada, nascendo a capitania de Minas Gerais, conflitos pipocavam neste futuro estado que começava se formar politicamente, vide a futura Inconfidência Mineira. Um dos maiores e mais sangrento movimentos armados foi a Guerra dos Emboabas (1707-1709), entre bandeirantes paulistas e portugueses, envolvendo escravos e os nativos índios. 

Os paulistas perdem e são obrigados a voltar para suas origens, era preciso encontrar uma rota alternativa, fugindo da região da futura Ouro Preto, onde os maiores conflitos aconteceram.


O primeiro Anhanguera, o bandeirante português Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, para chegar ao ouro descoberto em 1698 no rio das Velhas, Goiás, atravessava toda a região mineira, via Paracatu. Com a emancipação de Minas e os conflitos que menciono isso ficou muito difícil, até a monarquia perdeu momentaneamente o controle rigoroso na manutenção e exploração das estradas reais.


Era preciso abrir uma estrada que contemplasse mais o território paulista. Por volta de 1726 surge o Caminho dos Goiases, mais tarde denominado também Caminho do Anhanguera. Simples, pensaram eles, olhando a rústica cartografia da época, vamos em direção ao nordeste paulista, atravessamos o rio Grande em direção ao futuro triângulo mineiro. Assim evitaram toda a travessia de Minas, é o que fazemos hoje também para ir para Caldas Novas e Brasília.




    


A via Anhanguera


Nesta época Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o segundo Anhanguera, que acompanhava o pai nessas aventuras desde os 12 anos, já adulto, assume a responsabilidade da busca de riquezas, sempre de acordo com a monarquia portuguesa, e inaugura a nova rota: parte de São Paulo para Jundiaí (quatro dias de mata cerrada) para chegar nos dois Mogi, Mirim e Guaçu, indo para Casa Branca, aí faz um S ao contrário para Cajuru, Batatais, Franca e Ituverava, o rio Grande era atravessado entre Igarapava e Miguelópolis. 


Vale ressaltar que Campinas, não mencionada na rota, era uma região mais plana, com verdes campinas, um descanso para a longa travessia pelas matas de Jundiaí. O futuro mostrou como era estratégica essa região, como foi a nossa cidade também, mesmo sendo mais montanhosa.


Os dois Anhanguera, Bartolomeu pai e filho, entram para história, o filho funda cidades em Goiás, os 2 são muito reverenciados até hoje, certamente bem mais o filho. Mas, como desbravadores dessa época, são lembrados também pela truculência, mortes e escravagismo de negros e índios, mas não dá para julga-los com os conceitos de agora, aliás essa era a marca registrada dos bandeirantes, nas Missões no extremo Sul do Brasil aconteceu isso também, os gaúchos é que contem. 

Reza a lenda que o apelido Anhanguera vem do fato do Bartolomeu pai ter posto fogo na água (aguardente), assustando muito aos índios, ele ameaça fazer o mesmo com o rio se não dissessem onde estava o ouro. Apavorados os silvícolas entregam os locais e passam a denominá-lo de Diabo Vermelho, certamente devia ser ruivo, termo quer dizer exatamente Anhanguera. Era chamado também de Diabo Velho, devia ser muito bonzinho.

Franca estava no caminho


A topografia da região francana era um grande atrativo para a parada desses viajantes indo e vindo. A parte plana de Covas (Miramontes), o verde do capim, mimoso, muita água, por isso surgem as pousadas, e, certamente, o comércio em volta delas. Para vender carne, leite e derivados, tinha que ter criações, fácil de dar asas à imaginação do que ocorreu. O sal, como disse,  teve papel preponderante aí também.


A referência mais antiga registrada para este período, aponta dr. Alfredo Palermo(1), está na carta que o Capitão-Mor desta região, Cap. Hipólito Antônio Pinheiro, enviou ao Governador da Província, General Antônio da Franca e Horta, reclamando dos vizinhos mineiros, que estavam de olho no nosso território (mas isso é tema para o próximo artigo e também pode estar no  nome desse personagem a origem controversa do nome da cidade), ele conclui assim o documento que envia: “Belo Sertão da Estrada de Goiás, 6 de agosto de 1805”. 


Hipólito viria fundar o povoado logo em seguida, em 3 de dezembro de 1805, com isso chegamos a um conclusão interessante, o conhecido amor de seus moradores atuais por Franca e por sua região antecede à sua própria fundação, pode até nascer o Dia do Francano (sem feriado, por favor), seria comemorado todo dia 6 de agosto e o evento já teria 215 anos, rsss. 


Nesse ir e vir de viajantes por esta estrada, conta também Dr. Alfredo Palermo, há um momento histórico, alguns paulistas que lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870), no Mato Grosso, quando da Retirada da Laguna, vieram por esta via, parando na então Vila Franca do Imperador, hospedando na Estalagem, nas proximidades do Córrego dos Bagres. Hoje seria na rua Felisbino de Lima. Tem também a passagem em 1821 do famoso botanista francês Auguste de Saint-Hilaire, que falaremos em futuros artigos.


Então é isto, a magnífica rodovia Anhanguera mudou de rota ao trocar burros por veículos, os fortes conflitos entre os paulistas e portugueses na  região dos minérios e o fato da província de Minas Gerais ter se separado da de São Paulo, forçou uma estrada para Goiás por aqui, os bandeirantes cuidaram de abrir essa via, a localização geográfica, ambiente e clima deram a motivação para a aglomeração. Detalhe pitoresco que não mudou muito, ainda temos tudo isso até hoje.


(1) Dedico esse e os demais artigo que escrevi sobre Franca, ao dr. Alfredo Palermo (1917-2009), uma das maiores expressões da intelectualidade francana, que publicou o livro de 1980 - "A Franca - Apontamentos sobre sua história, suas instituições e sua gente". Foi um grande pesquisador dessa história, ótima personalidade para ser homenageada nessa época de comemorações.


Dr. Alfredo fez um incansável tour em busca das raízes francanas, principalmente no Museu Histórico José Chiachiri, nome muito mencionado naquela obra, tanto o pai, como o filho, resumindo bem a história da Franca. Foi nesse livro que nos inspiramos e nos baseamos para as primeiras consultas, mas tem outras.


Leia a 1.a da série:

Afinal, quantos anos Franca está fazendo