domingo, 28 de novembro de 2021

Dia da Consciência Cristã

Sempre que o Verdade me convoca para um artigo, se não for para falar sobre a história de Franca, é certo que vem um desafio por aí. O último foi sobre o Dia das Mulheres, quando abordei que, para escrever sobre elas não podia ficar no trivial ‘amor e flor’, dei o exemplo de muitas que têm até três turnos e de algumas avós, que além dos três turnos, cuidam também da estabilidade da família. Parece que conseguimos, já demos umas voltas pela praça Barão, em Franca, e aparentemente ficou tudo bem. Rsss.

Agora é sobre o Dia da Consciência Negra, a princípio pensei ser impossível, principalmente porque as abordagens de conceitos e preconceitos estão em ebulição e transformação pelo mundo. Acabei aceitando o desafio, e aqui estamos.

O primeiro pensamento, e quase cai nessa armadilha, seria mencionar o enorme número de amigos de todas raças, inclusive negros, que temos e sempre tivemos ao longo da vida. 

Nossa… se eu tivesse feito isso, estaria estabelecendo uma diferença, primeiro que não há, segundo que eu me colocaria de um lado e pessoas maravilhosas, com qualidades espetaculares,  do outro. Nem pensar.

Mas, mesmo assim, não ia deixar de contar um causo, como diriam nossos queridos amigos mineiros, que tive com um negro maravilhoso, um ícone de minha infância, nos idos anos de 1960. Nesta época eu fazia incursões pela Fundação Allan Kardec, na rua José Marques Garcia, onde morávamos, a cerca que separava de minha casa, bem ao lado, era de bambu bem velhinho, fácil para uma criança passar.

Daí era só atravessar pela horta e chegar ao lugar que mais gostava de estar nesta casa, depois do cinema do Sr. Chico Cintra, claro, na oficina do senhor Francisco, conta a lenda que ele era filho de ex-escravizados e teria ficado no Allan Kardec por não ter para onde ir. Naquela época era muito comum isso ocorrer, com os pacientes que estavam de alta, não se encontrava ninguém da família para buscá-los.

Olha, nunca me interessou a sua origem, sei que era uma pessoa simples, sem sobrenome, que fazia alças para canecas em latas de óleo, entre outros objetos, e me encantava com sua filosofia singela, suas estórias e um ótimo humor. Ele teve que ter paciência comigo, não saia de lá!

O que isso tem a ver? Nada, não é a primeira vez que eu homenageio o senhor Francisco, porque ele era Sô Chico, um poço de sabedoria.

Quando somos crianças não estabelecemos diferenças, elas, muitas vezes, são moldadas por nossa própria família, em casa mesmo, no que chamo de cultura inversa, aí entra de tudo, política, tem que pensar igual ao pai, ainda bem que isso está acabando, e todas as demais preferências, onde começam a serem montados os conceitos e os preconceitos. 

Acredito, sinceramente, que o mundo está evoluindo, mas é só assistir algumas séries e filmes históricos para entender que isso é universal, e em alguns casos muito graves. Infelizmente as notícias que envolvem preconceitos ainda permeiam os noticiários. 

Na verdade, no Brasil, nós convivemos bem com ‘todo mundo’, mas nunca perdemos a chance de falar dos baianos (preguiça), dos cariocas (folgado), daí você vai viver em um desses estados e vê que não é nada disso, são provocações e jocosidades por culpa de algumas características desses locais, isso também é globalizado.

Já sei, estou fugindo do assunto, mas vamos lá

Tudo que tenho visto sobre desigualdades e racismos atualmente são estruturais, não é a questão do feio ou do bonito, até porque a beleza transita, e bem, por todas as raças. Chamamos de estrutural a que foi e é imposta pelas oportunidades, é isso que vem sendo discutido, aquela que privilegia ao longo do tempo. 

As quotas tentam resolver isso e ajudam, claro, mas não resolvem todas as diferenças sociais. Quem notou isso claramente foi o Magazine Luíza. Teve crítica? Qual atitude dessa área não tem? Eles viram que a sua estrutura de ascensão aos cargos de chefia bloqueava os negros,  e ousaram, fizeram um programa de trainee só para eles - foram 22 mil inscritos e 19 escolhidos, o dobro de contratação que se imaginava. 

O programa foi recentemente relançado, o número de inscritos quer dizer algo? A par das críticas, valeu pela coragem e mais ainda pelo resultado, o ML foi lá e contratou, é diferente das campanhas de marketing, que fazem isso com modelos ou colocam casais bonitos para vender. 

Na entrevista das páginas amarelas da Veja, desta semana, o economista canadense David Card, um dos três ganhadores do Nobel deste ano, fala sobre um estudo racial que fez em empresas no Brasil em 2018, determinante nos salários dos não brancos, como ele denomina. 

O resultado que ele chegou não foi muito diferente do estudo que fez o Magazine Luíza, entendendo que a estrutura social de base é determinante. Faltam mais oportunidades para os negros, como também faltam para as camadas mais simples da população.

O economista se mostra um pouco desanimado com ‘estudos’, diz que só mapear não resolve, e conclui, que tem que se investir nessa base, sugerindo que as mudanças, principalmente as comportamentais,  devem ser motivadas com os mais jovens, para que o resultado seja maior no futuro.

Ou seja, para mexer com a nossa consciência, em um assunto tão importante, não basta só acreditar em oportunidades pontuais, a desigualdade é péssima e faz separações inaceitáveis. Pelo lado otimista vemos que hoje se estuda e se discute muito mais sobre isso.

Pelo lado humano, cristão, tivemos um grande exemplo, teve algum líder mais inclusivo que Jesus? Ele combateu e deixou mensagens contra as segregações. É só ler o recado que enviou aos fariseus, no Sermão dos Ais, e quem, para ele, era o próximo, na parábola do Bom Samaritano. Sempre defendeu as crianças, as mulheres e os mais simples. Todo seu discurso sempre permeou pela fraternidade e pela igualdade.

E perante Deus? A imortalidade da alma e o julgamento divino são quase unanimidade nas religiões. E o que estará em análise no nosso pós morte? O corpo, suas composições e o que juntamos certamente ficam por aqui.

Concluímos então que, o que sobrevive no fluído universal é a nossa consciência, certamente seremos julgados pelo nosso comportamento como seres humanos, daí pouco valerá se era brasileiro, árabe, judeu chinês, branco, negro ou amarelo.

Daí o nome deste artigo, vamos ter uma consciência cristã, só assim poderemos ter realmente uma igualdade de oportunidades, sejamos brancos ou negros. 

 


Um comentário:

  1. Muito bom o caminho trilhado para discutir a questão do negro em nosso País. E é ótimo ver que aqueles que admiramos, mesmo que num curto espaço e tempo de convivência, continuam a nos fazer admirá-los ainda mais. Não pela altura de suas posições ou conhecimento, mas muito mais pela singeleza de seu pensamento,
    Assim vemos que alguns seres humanos são imprescindíveis para a evolução da Humanidade. Valeu Nalini e, quantas saudades de sua presença e sabedoria!

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