terça-feira, 24 de novembro de 2020

Franca na rota dos Anhanguera




Todos admiram Franca pelo seu clima serrano, sendo uma cidade mais alta, na casa dos mil metros de altitude acima do mar, faz menos calor que em outros pontos do Estado, também era natural que os viajantes no século XVIII quisessem desfrutar disso e dos descampados servidos com água corrente. Esse é o tema da segunda matéria especial de aniversário que fizemos para o Verdade.


Franca surgiu, como povoado, depois como cidade, da mesma forma que todas as outras plagas do país, os portugueses chegaram pelo litoral brasileiro, povoaram as proximidades - a cidade de São Paulo, por exemplo, e, nos primeiros 150 anos, mais ou menos, os seus descendentes, com outros imigrantes que continuavam chegando, partiram para todos os lados, para o noroeste foram em busca de riquezas minerais. Leia-se Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, ainda não dividido, claro.


Era natural que alguns se fixassem pelo caminho, eram necessários albergues, provisões (sal de preferência), cuidados com os animais (muitos burros) e alimentação, que motivou o plantio e a criação de animais. Esse foi o nosso caso, o de Franca.


Como disse no artigo anterior a via pluvial sempre foi a mais preferida por razões óbvias, encurtar as distâncias e evitar as matas densas - que saudade delas, mas onde moraríamos? Só que uma hora não tem jeito, tem que ser pela via terrestre mesmo, e foi assim que o Brasil foi sendo desbravado, os que passavam pela nossa região tinham como atrativo maior, além da madeira e especiarias, o ouro mesmo.


Em 12 de setembro de 1720 a capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi desdobrada, nascendo a capitania de Minas Gerais, conflitos pipocavam neste futuro estado que começava se formar politicamente, vide a futura Inconfidência Mineira. Um dos maiores e mais sangrento movimentos armados foi a Guerra dos Emboabas (1707-1709), entre bandeirantes paulistas e portugueses, envolvendo escravos e os nativos índios. 

Os paulistas perdem e são obrigados a voltar para suas origens, era preciso encontrar uma rota alternativa, fugindo da região da futura Ouro Preto, onde os maiores conflitos aconteceram.


O primeiro Anhanguera, o bandeirante português Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, para chegar ao ouro descoberto em 1698 no rio das Velhas, Goiás, atravessava toda a região mineira, via Paracatu. Com a emancipação de Minas e os conflitos que menciono isso ficou muito difícil, até a monarquia perdeu momentaneamente o controle rigoroso na manutenção e exploração das estradas reais.


Era preciso abrir uma estrada que contemplasse mais o território paulista. Por volta de 1726 surge o Caminho dos Goiases, mais tarde denominado também Caminho do Anhanguera. Simples, pensaram eles, olhando a rústica cartografia da época, vamos em direção ao nordeste paulista, atravessamos o rio Grande em direção ao futuro triângulo mineiro. Assim evitaram toda a travessia de Minas, é o que fazemos hoje também para ir para Caldas Novas e Brasília.




    


A via Anhanguera


Nesta época Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o segundo Anhanguera, que acompanhava o pai nessas aventuras desde os 12 anos, já adulto, assume a responsabilidade da busca de riquezas, sempre de acordo com a monarquia portuguesa, e inaugura a nova rota: parte de São Paulo para Jundiaí (quatro dias de mata cerrada) para chegar nos dois Mogi, Mirim e Guaçu, indo para Casa Branca, aí faz um S ao contrário para Cajuru, Batatais, Franca e Ituverava, o rio Grande era atravessado entre Igarapava e Miguelópolis. 


Vale ressaltar que Campinas, não mencionada na rota, era uma região mais plana, com verdes campinas, um descanso para a longa travessia pelas matas de Jundiaí. O futuro mostrou como era estratégica essa região, como foi a nossa cidade também, mesmo sendo mais montanhosa.


Os dois Anhanguera, Bartolomeu pai e filho, entram para história, o filho funda cidades em Goiás, os 2 são muito reverenciados até hoje, certamente bem mais o filho. Mas, como desbravadores dessa época, são lembrados também pela truculência, mortes e escravagismo de negros e índios, mas não dá para julga-los com os conceitos de agora, aliás essa era a marca registrada dos bandeirantes, nas Missões no extremo Sul do Brasil aconteceu isso também, os gaúchos é que contem. 

Reza a lenda que o apelido Anhanguera vem do fato do Bartolomeu pai ter posto fogo na água (aguardente), assustando muito aos índios, ele ameaça fazer o mesmo com o rio se não dissessem onde estava o ouro. Apavorados os silvícolas entregam os locais e passam a denominá-lo de Diabo Vermelho, certamente devia ser ruivo, termo quer dizer exatamente Anhanguera. Era chamado também de Diabo Velho, devia ser muito bonzinho.

Franca estava no caminho


A topografia da região francana era um grande atrativo para a parada desses viajantes indo e vindo. A parte plana de Covas (Miramontes), o verde do capim, mimoso, muita água, por isso surgem as pousadas, e, certamente, o comércio em volta delas. Para vender carne, leite e derivados, tinha que ter criações, fácil de dar asas à imaginação do que ocorreu. O sal, como disse,  teve papel preponderante aí também.


A referência mais antiga registrada para este período, aponta dr. Alfredo Palermo(1), está na carta que o Capitão-Mor desta região, Cap. Hipólito Antônio Pinheiro, enviou ao Governador da Província, General Antônio da Franca e Horta, reclamando dos vizinhos mineiros, que estavam de olho no nosso território (mas isso é tema para o próximo artigo e também pode estar no  nome desse personagem a origem controversa do nome da cidade), ele conclui assim o documento que envia: “Belo Sertão da Estrada de Goiás, 6 de agosto de 1805”. 


Hipólito viria fundar o povoado logo em seguida, em 3 de dezembro de 1805, com isso chegamos a um conclusão interessante, o conhecido amor de seus moradores atuais por Franca e por sua região antecede à sua própria fundação, pode até nascer o Dia do Francano (sem feriado, por favor), seria comemorado todo dia 6 de agosto e o evento já teria 215 anos, rsss. 


Nesse ir e vir de viajantes por esta estrada, conta também Dr. Alfredo Palermo, há um momento histórico, alguns paulistas que lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870), no Mato Grosso, quando da Retirada da Laguna, vieram por esta via, parando na então Vila Franca do Imperador, hospedando na Estalagem, nas proximidades do Córrego dos Bagres. Hoje seria na rua Felisbino de Lima. Tem também a passagem em 1821 do famoso botanista francês Auguste de Saint-Hilaire, que falaremos em futuros artigos.


Então é isto, a magnífica rodovia Anhanguera mudou de rota ao trocar burros por veículos, os fortes conflitos entre os paulistas e portugueses na  região dos minérios e o fato da província de Minas Gerais ter se separado da de São Paulo, forçou uma estrada para Goiás por aqui, os bandeirantes cuidaram de abrir essa via, a localização geográfica, ambiente e clima deram a motivação para a aglomeração. Detalhe pitoresco que não mudou muito, ainda temos tudo isso até hoje.


(1) Dedico esse e os demais artigo que escrevi sobre Franca, ao dr. Alfredo Palermo (1917-2009), uma das maiores expressões da intelectualidade francana, que publicou o livro de 1980 - "A Franca - Apontamentos sobre sua história, suas instituições e sua gente". Foi um grande pesquisador dessa história, ótima personalidade para ser homenageada nessa época de comemorações.


Dr. Alfredo fez um incansável tour em busca das raízes francanas, principalmente no Museu Histórico José Chiachiri, nome muito mencionado naquela obra, tanto o pai, como o filho, resumindo bem a história da Franca. Foi nesse livro que nos inspiramos e nos baseamos para as primeiras consultas, mas tem outras.


Leia a 1.a da série:

Afinal, quantos anos Franca está fazendo


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