sábado, 28 de novembro de 2020

Franca, os sérios conflitos envolvendo posse e poder

Não dá para imaginar que os portugueses, que vieram enfrentar uma país totalmente diferente, longe de suas famílias, com selvas, doenças e riscos naturais, fossem pessoas de gabinete, não eram. Eram naturalmente rudes, se não maus, rudes. Principalmente os bandeirantes que entendiam que a força diminuía o tempo gasto.

Ilustração anônima, retirada do http://blogdabalaiada.blogspot.com/


Da mesma forma a história nos provou que não existe colonização sem conflitos, não era de esperar que os nativos sairiam do seu conforto e aceitassem a chegada de um outro povo, com estranhos costumes. Assim, com raras exceções, os índios receberam muito mal os portugueses. Isso custou muito para eles, se não aceitavam a submissão pela escravatura eram quase todos dizimados. Sem contar a falta de defesa para as doenças.


Os jesuítas espanhóis em suas missões tentaram intermediar isso, foram também varridos a ferro e fogo. Como já mencionamos as missões gaúchas, muito bem organizadas, deram perda total, quem morou por lá sabe o quanto isso magoa os sulistas até hoje. Preservam muito a história.


Inclua nesse menu o escravagismo africano, sofreram duplamente, como os índios, 

foram tirados das suas casas, conforto e famílias, e como os portugueses enfrentariam compulsoriamente o sertão brasileiro. Logo começaram as revoltas, muitos foragidos e quilombos. Vide Palmares, mais uma missão nada pacífica dos bandeirantes.


Nesse mix de índoles surgem os descendentes, boa parte sem nenhum amor, em um ambiente de selvageria e migração para o imponderável não era possível a formação de famílias. Nessa composição nascem os mamelucos, filhos de índias e brancos, os mulatos, filhos de negras e brancos, e, mais raros, os cafuzos, filhos de negros e índios. Continuavam chegando os portugueses, formando uma supremacia com os descentes nascidos no Brasil. 


Essa foi a formação do povo paulista no primeiro século do descobrimento, a história alcança Franca em termos de registros após 1700, mas há indícios que ela já era rota de travessia para Minas e Goiás antes mesmo da Estrada dos Goiases, mas já escrevemos sobre isto. Dessa forma tínhamos os brancos, os mestiços que eram livres, os índios e os negros escravos, na sua maioria.


Os primeiros conflitos


No artigo de ontem informamos que a região só começou a tomar jeito de povoado com os mineiros entrantes, encontrando por aqui “gentios”, muitas vezes até foragidos da insipiente justiça da época. Há registros que até a chegada dessas famílias a região era um local totalmente sem lei, por consequência acontecem os primeiros conflitos sociais.


Um outro componente comum nessa etapa de colonização é a luta pelo espaço na terra e suas glebas, por mais que o Governo central procurasse organizar de forma global, a micro demarcação chegava às vias de fato, briga e morte mesmo.

A nossa geografia, principalmente por ser fronteiriça, não escapou disso, tanto os paulistas tentaram se apossar do sul de Minas, como os mineiros de Jacuí, leia-se São Sebastião do Paraíso até a atual cidade de Jacuí, chegaram bem próximos de Franca, “arrancando estacas demarcatórias”, como narram os historiadores. Isso eventualmente fez correr sangue. Esse conflito foi politicamente resolvido próximo da independência do Brasil, em 1822, já que Franca é elevada a Vila, com Câmara Municipal, e tudo, em 28 de novembro de 1824.


A Anselmada


Ao deixar o trono brasileiro em 7 de abril de 1831, d. Pedro I legou às terras que fez independentes uma séria crise política. Inúmeras dissensões e disputas ocorreram no período da Regência por todo o território nacional (a Balaiada, a Novembrada, a Abrilada, a Carneirada, a Dezembrada, a Sabinada, a Cabanagem), refletindo um processo de consolidação do Estado. As lutas da elite em busca do controle do poder entre a Abdicação e a Maioridade estimularam as revoltas em vários pontos do Império. Os postos de mando escorriam das mãos dos setores até então dominantes para as camadas urbanas marginalizadas politicamente, e as explosões todas consubstanciaram a repressão das elites a essa mudança de poder. (1)

Aqui pelas bandas de Franca, com apenas 14 anos da transformação em Vila, em 1838, consta de sua história uma rebelião chamada Anselmada, referência ao seu líder, o capitão mineiro Anselmo Ferreira de Barcellos. Como nos ensina o texto acima, dezenas de outras iguais ocorreram no Brasil Império no vácuo de poder entre a abdicação de Dom Pedro I (1831) até a maioridade de Dom Pedro II (1840).


O Brasil dividido em províncias não tinha uma uniformidade federativa, cada presidente de província nomeado fazia a sua política. Em São Paulo (1835) o brigadeiro Tobias Aguiar, edita lei que lhe permite nomear os fardados prefeitos das vilas. 


Para Franca, sem muito apoio, é nomeado, o sargento-mor José Joaquim de Santa Anna, seguem-se confusas e conturbadas eleições municipais, Anselmo que era vereador não se reelege e dois grupos acabam se estabelecendo, dos comerciantes, mais urbanos, e dos ruralistas. A sensação do capitão é de que, na verdade, eles e seus amigos foram mesmo é destituídos, a mágoa que vem a seguir é irremediável.


O grupo no poder nomeia seus pares nos cargos importantes, na coletoria e no judiciário, inclusive o importante personagem que era à época um juiz de paz. Nessas turras até uma janela da casa da cunhada de Anselmo, porque abria dando visão a atividades dos governantes, é fechada a pregos, desavença que quase acaba na bala, foi por uma gota d'água. 


Ao nascer do sol do primeiro dia de 1838, Anselmo, com 30 seguidores armados até aos dentes, invade a pequenina Vila Franca, faz ameaças aos líderes, e quase arrasta um deles amarrado ao cavalo, não era bem um feliz ano novo. Após muitas negociações e promessas a Anselmo ele recua, mas, nos meses seguintes, não só vê o tratado ignorado, como passa a ser acusado criminalmente, período de muita tensão. O grupo de descontentes que ele lidera só aumentava.

Diante de um mandado de prisão o capitão volta invadir a vila em setembro de 1838, agora com 74 homens, o fiscal da Câmara Clementino, ao intervir, é baleado, mesmo fim do cão de guarda do então juiz de paz Manoel Rodrigues Pombo. Depois de negociações tensas  auxiliadas pelo pe. João Teixeira d’Oliveira Cardoso, de confiança do capitão, Anselmo  consegue destituir o juiz e outro no poder, com isso novamente se retira e volta para suas terras, na região hoje de Cristais Paulista.


O presidente da Câmara, ao retornar, desfaz os acordos e organiza uma forte mas frustrada resistência, monta até um forte com pessoas e armas em um casa no centro da cidade (é referida na foto que postamos ontem). Anselmo usa uma tática inversa, não ataca e deixa a defesa se esvaziar, até alguns guardas começam a debandar para o seu lado. O medo de uma nova invasão aterroriza a todos e a defesa armada é abandonada. Há combates isolados, resultando em mais mortes. 


O juiz Pombo, desafeto do capitão desde o barraco da janela vai às terras dos revoltosos (6/11/1838) para tentar um novo acordo e nunca mais voltou, deixou família com muitos filhos. Ele é morto na chegada, nem teve tempo de propor nada, foi abandonado perto de um armazém. 

Anselmo e seu grupo é autorizado a voltar à Vila (9/11/1838), tinha agora um exército para aquela época, um pequeno grupo não se conforma em deixar o poder, faz um  a pequena resistência mas também são mortos, vereadores fogem, o capitão vitorioso coloca seus aliados no poder.


Em 14 de março de 1839 a Vila Franca se transforma em Comarca, mas com o judiciário em Batatais, para tentar acalmar a coisa, o Capitão Anselmo e os demais líderes da revolta são ali julgados (15/11/1839). Todos são absolvidos. 


Existem muitos trabalhos, inclusive no judiciário paulista, que estudaram os erros de concepção cometidos por todos, os que forçaram para tomar o poder municipal, as enormes falhas na resistência, a péssima negociação que permitiria a divisão dos poderes. Dá a impressão que os poderes centrais também não se simpatizaram muito com os que se estabeleceram para administrar a Vila e com a forma que fizeram, não havia tropas suficientes para enviar para tão longe. A absolvição de Anselmo e seu grupo demonstra bem isso.

O juiz de Direito Carlos Alberto Bastos de Matos,
que atuou na comarca de Patrocínio Paulista de 1982 até 1999
Foto e informações retiradas do 
https://www.migalhas.com.br/







(1) Texto extraído de um ótimo estudo do dr. Carlos Alberto Bastos de Matos - da Academia Francana de Letras -  Apontamentos sobre a história da comarca da Franca - ele foi juiz de Direito de Patrocínio Paulista a contar de 1982, ali aposentou-se em 1999. Professor de Direito constitucional na Faculdade de Direito da Franca desde 1984. Faleceu no dia 4 de agosto de 2004. 





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